domingo, 25 de maio de 2008

Serial Killer

Há um serial killer no denso bosque americano, ele usa gravata borboleta, óculos de grau e sorri claras intenções.
Colecionador de sangue e sabores. Cru e seco. Embriaga-se do suco do vinho, até o embrião de Dionísio, ou à constelação mais próxima. Ali fica a latente tentação até o dobrar da maçaneta.
Ele construiu o sussurro graças à sugestão de um deus satânico e a morte passou a brotar de dentro para fora.
Há um serial killer nas veias que se abriram, nos caminhos turvos, nas esquinas, nos muros, na rima.
Quem está pra lá deste muro nunca carregou tijolos
Ofereço todo o sacrifício que não seja o meu. O demônio que guardo no bolso não pede nada além dos vícios que me esvaziam. Eis meu sacrifício.
Homenageio os mortos com papel alumínio e minha saliva grossa é o louvor de uma vida que se interrompeu na minha.
Aprendi a dança da morte para poder festejar sobre os túmulos dos submersos. Aprendi a temer os vivos um tanto mais que temia os mortos.
Desumano é ofensa. Desumano é elogio.
O tridente do Diabo arranha-céus. Uma cidade me engasga entre um soluço e outro. Os escapamentos dos carros simulam tiros. Policiais simulam tiras e atiram.
Padres com Deus no ego mastigam palavras bíblicas disputando com putas a carne e a alma no mercado de pulgas.
Sodoma e Gomorra Inc. ejaculam a pornografia de Hollywood sobre o mundo. O velho testamento será herdado aos senhores agora.
O matador paira no ar, suspenso sobre os continentes. É mais um cristão anti-cristo, como todos são.
Os quatro cavaleiros do Apocalipse estiveram sempre à nossa mercê. Terra. Fogo. Vento. E água. A natureza é um equilíbrio fino como um horizonte aberto. E agora rasgado.
O efeito borboleta em larga escala alaga casas.
O horóscopo abre um dia novo em folha traçando o percurso para os doze diferentes tipos de seres humanos existentes. Com eclipsa precisão.
Mcdonald`s, mendigos e astronautas disputam o espaço deixado pelo vazio entreaberto dos dissabores. A morte é arte pós-moderna. A natureza morta imita a vida moribunda distribuída nos bares, aos pares para homens ímpares e impuros.
Linhas aéreas enjaulam antigas histórias de estrelas, contos maias engaiolados.
O som de um saxofone se perde na noite e é encontrado morto na aurora. Nosso assassino tem as proporções do ar e dentes de concreto armado contra o céu frio de nossas bocas e nos entope até as artérias. Ele trafega ofegante no seio do sonho americano. O peso do norte tira o mundo dos eixos.
De Auschwitz à Guantánamo ele é uma legião cega pelo consentimento de nossos gestos, tricotado pela cumplicidade de nossos dedos.
No final das contas quem paga a conta?
Quem enterra o coveiro?

terça-feira, 18 de março de 2008

Legado

Vão tentar te convencer de certas coisas que alfinetam o íntimo,

Dirão por exemplo que uma árvore não tem alma, mesmo ela se desmembrando com o amor da fruta

Irão desconfiar de sua inquietude, mesmo que sua inquietude for fruto da desconfiança alheia

Caluniarão seu nome como se seu nome fosse substancia viva que acalanta o seu eu

Lembre-se: esqueça

Crie seu ritual de abstração

Dê a outra face ao impacto do tapa para que a vermelhidão simétrica da cara seja a vergonha de quem estapeia

Tateie sua superfície

Saboreie sua arquitetura

Invente movimentos para seu terreno até se quebrar, para que o milagre da destruição te regenere

Chore de tanto rir

Ria de tanto chorar

Lambuze-se

Ridicularize-se, ninguém zombará de você melhor do que você mesmo

Invente cores

Invente nomes

Invente invenções

Seja o deus que Deus te deu

Pronuncie verbos com gestos

Olhe nos olhos e apalpe uma alma

Ame com paixão de ódio

Distribua o seu instrumento mais intimo, até mesmo pra você é empréstimo

Beije na testa sua imagem no espelho

Exercite o impossível até que se torne provável, aí prove o contrário

Nunca se leve a sério em demasia

Invente uma oração para seu umbigo 3 vezes por semana até que ele saia de sua reentrância e lhe faça louvações egocentricas

Enlouqueça com imprecisão

Pratique uma insanidade logo pela manhã e estique seu chilique ao longo do dia

Faça algo detestável só pra sentir o gosto

Toque com carinho para gozar de sua ternura

Não dê ouvido aos Domingos

Faça vinagre de seu rancor e sirva a mesa

E nunca, em hipótese alguma, peças às estrelas aquilo que você deixou de pedir ao sol

E lembre-se: o difícil é fácil, o impossível é que é difícil

Crie seu próprio absurdo, a voz da razão não pertence a ninguém

Corra tão rápido a ponto de seu nome se desprender de você e cair, quem sabe ele não vira o nome da rua em que você se encontra?

sábado, 8 de março de 2008

Supermercado

-E a eternidade?
-Foi ontem.
-Pela manhã?
-O dia todo.
-Perdi...Pegou um pedaço?
-Sim.
-Sobrou?
-Sim mas já esfriou. Pela temperatura está quase no meio dia de hoje, nada é para sempre...
-E a felicidade?
-Comprei um saquinho no final do corredor, mas vieram poucas.
-As minhas estavam vencidas...E quanto a esperança?
-Os olhos da cara! Ainda tenho um frasco.
-Meu farmacêutico confiscou minha receita, disse que eu estava abusando...
-Posso descolar um pouco das minhas pílulas.
-Obrigado, mas não funcionaria com os anseios que eu plantei. A não ser que...Você me aluga seus sonhos?
-Os eróticos eu posso até dividir, mas os de vida só me restaram 17% dele.
-E o resto?
-Chegou a realidade.
-Que bom!
-Você não entendeu: Na realidade a realidade que se tornou não eram os 83% que eram sonhos, a realidade formada reduziu meu sonho a 17% sem realizar os 83%, entendeu?
-Se vendesse realidade ninguém comprava.
-É por isso que é de graça, mas vem num pacote que ludibria os consumidores.
-Vende surrealidade?
-Só no mercado negro.
-ATCHIM!
-Qual o problema?
-Gripe.
-Mas gripe tem cura.
-Quando se trata de doenças nada tem cura, tem remendos.
-Mas pra gripe tem.
-Não, gripe tem intermitências, é diferente.
-Se gripe fosse esperança...
-E se esperança fosse gripe?
ATENÇÃO ATENÇÃO SUPER PROMOÇÃO DE ALÍVIO NO FINAL DO CORREDOR 20
-E aí tá com ânimo?
-Merda! Sabia que tinha esquecido alguma coisa...

sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

Preto no branco



Tínhamos apetrechos de encaixe:
Encaixamos nossos ouvidos
Um no outro
E ouvimos gemidos íntimos
Que vinham de nossas caixas toráxicas.
Segredos
Na minha boca brotou a língua dela,
E na boca dela
minhas mais cachorras cacofonias
(ela inconformada ria
junto à um riso que eu também tinha)
Trançando nos traduzíamos
Sem nos ter seria "seríamos"
Ela sem mim não pronuncia verbo

E assim
Íamos seguindo
Até os confins do avesso
Até à imensurável distância
Que por fim separou eu e você de nós
Então
Nossas mãos já não se atinham:
Atiravam.
Nossos vãos se completaram
Em nãos
E hoje
Não me atenho mais a nós
Desatados



sábado, 23 de fevereiro de 2008

haja dito haja feito (bendito era, bem feito seja)

Para evitar surpresas já anuncio que morri

desaprendi rezas básicas: aves marias, pais nossos, plurais postos em minha boca roxa

basfemo a efemeridade molecular que arquiteta as possessões

e me calo para poder beijar Deus na boca (só para emputecer fanáticos)

a linguagem não mora mais em mim

há verbos enforcados por minhas cordas vocais

minha língua já não serve de trampolim pra palavras.

sábado, 16 de fevereiro de 2008

Palavra final

Minhas musas são musgos no meu milésimo treino poético

Antes era amor

Nada deve ser acorrentado ao som

nem ao signo

Amor pronuncia gesto, não palavras

Palavras são grades

Amor transborda aos vãos.


Palavra marca cavalo



Clemência



A única coisa que me diferencia da barata é o meu chinelo.

Atitulado


Contemplávamos o silêncio

E dávamos nome aos bois sem dizer palavra:

Satã era o nome dado ao dedo indicador, entre outras coisitas más.

Deus era o nome dado aquilo que era e aquilo que não era dedo.

Eu era alguém que não podia ser porque havia

Eu não podia haver porque via

Eu era não.

Às vias de ser sei lá o quê.

Revezava: existir, assistir, essistir, axistir

Nos fundíamos.

Palavra era papel de bala

Era bala perdida ou a pele que revestia a jabuticaba

Boca era instrumento de sexo e não tinha nome porque não.

Letras foram as palavras que a gente destroçou com os dedos.

E não havia cola na nossa desconstrução, selávamos com cuspe nosso destrato.

Nossos corações eram largos e ainda assim vazavam

Nexo não dava idéia, dava frase.

A gente se construía em camadas.

Nos desembrulhávamos e nos jantávamos.

Nos desjejunjávamos.

Na alma

Minha tristeza é calma e me enlaça quilômetros,
e o vento atravessa
minha copa que não conhece raízes.
Já não dou conta de medir a profundidade de minhas águas.
Na alma nada um peixe dourado que desprende os segundos
O balanço mergulhado no milagre geométrico
A plenitude que desconhece as palavras.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

desmedido

Hoje as coisas não têm chão nem altura

O universo se abriu átomo adentro e espaço afora.

Hoje as coisas não têm mais cheiro.

Adivinham-se outras impressões.

Camadas.

Cores em fuga.

Algumas ressonâncias.

Sombras grudadas nas paredes são de extrema gravidade.

Gosto de pensar que certas coisas guardam suas potências em um segredo no futuro.

Ou num indefinível infinito.

No íntimo.

Exemplos:

A luz é quando se trata do fogo com paixão aérea.

Segredo é a palavra reverenciando o silêncio.

Intenção foi um gesto que se perdeu de vista, e por aí vai.

Uma vontade arrasta elementos pra fora do caos buscando respostas.

Hoje, eu

arrasto a metáfora até os limites da sinestesia, só para apalpar as cores.

Formigando


As formigas são as guardiãs do inferno

Marcham até as alturas do sangue

Enquanto demonstram a força da união capaz de abafar gritos e murmúrios

Subitamente vem a rima me dizer que o diabo mora na intenção e não debaixo do chão.



Meu coração é um formigueiro.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Aprendi ou suponho que aprendi ou não

  • Que as perguntas surgem no ócio, as respostas no fazer e o nenhum dos dois na tv.
  • Que quando se trata de internet, quem vive a vida que navega, naufraga na vida que nega.
  • Que efemeridade da beleza faz com que uma borboleta viva 24 horas, uma tartaruga 100 anos.
  • Que os 99 anos, 11 meses e 29 dias que uma tartaruga tem a mais que uma borboleta, a torna mais bela que a borboleta. Ao perceber isso a tartaruga morre.
  • Que o tempo pesa sem ter peso e é justo com todos por ser injusto com todos ao mesmo tempo.
  • Que as propagandas de manteiga sem colesterol tomam muito tempo de vida.
  • Que que é preferível um "Ufa, foi um pesadelo" do que "Droga, foi um sonho".
  • Que a realidade deve ser dividida com 6 bilhões de pessoas, o que é surreal.
  • Que atenção e intenção separam acidentes de homicídios.
  • Que a revolução saiu das ruas e estão nas fórmulas de shampoo.
  • Que Deus escreve certo por linhas retas e a gente distorce as coisas.
  • Que homens e mulheres são diferentes apenas em um ponto: o crucial.
  • Que é tão difícil matar mato quanto plantar orquídeas.
  • Que relacionamento é igual hipermetropia, só se enxerga bem quando se está longe.
  • Que a cobra é venenosa porque engole muito sapo.
  • Que há duas maneiras de se tirar uma informação: uma é torturando, a outra não se importando.
  • Que pessoas duas-caras escolhe a melhor delas para sair às ruas.
  • Que as formigas não têm sindicato.
  • Que a panela que encontra sua tampa oculta seu conteúdo.
  • Que é melhor ter dois pássaros voando mesmo.
  • Que para cada ligação peptídica é liberado outro assunto que eu desconheço.
  • Que hoje a tarja preta da censura é bobagem e bunda.
  • Que o quê faz o diet engordar menos é a ausência do peso na consciência.
  • Que beleza não põe mesa, por isso tanta magreza na passarela.
  • Que quem entende a sociedade melhor do que um sociólogo é um sociopata.
  • Que o ditador Mao Tse-tung só não foi mais cruel por falta de bigode.
  • Que a lei de Murphy não se aplica com requeijão.

Doce impacto

E o sol proclamou cada vida uma raça única em expansão, uma equação que dançava sobre a matemática viva.

E a ciência deitou na margem de um Deus desconhecido que derramou das catedrais.

Além dos portões que não havíamos visto, reinventamos o fogo e descobrimos na água sua verdadeira natureza num pacto de silêncio profundo.

Tempo era o nome dado ao vai e vem das cores que transportávamos pelas estações e era medido em soluços que ecoavam de nossos metais para se desmanchar universo afora.

A sombra dos deuses era de concreto e alta e aproximava e afastava o céu. Guardava em si os mistérios que se desvendou em nós. E já não era uma ameaça. E nos esquecemos enfim, que éramos os demônios que havíamos criado no jardim do ego e que perseguíamos nossas próprias caudas.

Nossas vontades, agora puras, vasculhavam a intimidade das coisas por dentro e nosso trabalho era uma mistura de dança com algo que se desprendia no consentimento de nossos olhares.

Demos outras funções às nossas mãos. Funções abertas. Tocávamos e levávamos algo que não saía e as impressões cresciam e acumulavam-se por baixo de nossas peles.

Ofegante e sempre, misturando-nos.

inserto incerto

Gosto de ambigüidades do tipo: Hitler foi à Praga.

Efeitos que só funcionam no âmbito oral.

Como os beijos.