terça-feira, 18 de março de 2008

Legado

Vão tentar te convencer de certas coisas que alfinetam o íntimo,

Dirão por exemplo que uma árvore não tem alma, mesmo ela se desmembrando com o amor da fruta

Irão desconfiar de sua inquietude, mesmo que sua inquietude for fruto da desconfiança alheia

Caluniarão seu nome como se seu nome fosse substancia viva que acalanta o seu eu

Lembre-se: esqueça

Crie seu ritual de abstração

Dê a outra face ao impacto do tapa para que a vermelhidão simétrica da cara seja a vergonha de quem estapeia

Tateie sua superfície

Saboreie sua arquitetura

Invente movimentos para seu terreno até se quebrar, para que o milagre da destruição te regenere

Chore de tanto rir

Ria de tanto chorar

Lambuze-se

Ridicularize-se, ninguém zombará de você melhor do que você mesmo

Invente cores

Invente nomes

Invente invenções

Seja o deus que Deus te deu

Pronuncie verbos com gestos

Olhe nos olhos e apalpe uma alma

Ame com paixão de ódio

Distribua o seu instrumento mais intimo, até mesmo pra você é empréstimo

Beije na testa sua imagem no espelho

Exercite o impossível até que se torne provável, aí prove o contrário

Nunca se leve a sério em demasia

Invente uma oração para seu umbigo 3 vezes por semana até que ele saia de sua reentrância e lhe faça louvações egocentricas

Enlouqueça com imprecisão

Pratique uma insanidade logo pela manhã e estique seu chilique ao longo do dia

Faça algo detestável só pra sentir o gosto

Toque com carinho para gozar de sua ternura

Não dê ouvido aos Domingos

Faça vinagre de seu rancor e sirva a mesa

E nunca, em hipótese alguma, peças às estrelas aquilo que você deixou de pedir ao sol

E lembre-se: o difícil é fácil, o impossível é que é difícil

Crie seu próprio absurdo, a voz da razão não pertence a ninguém

Corra tão rápido a ponto de seu nome se desprender de você e cair, quem sabe ele não vira o nome da rua em que você se encontra?

sábado, 8 de março de 2008

Supermercado

-E a eternidade?
-Foi ontem.
-Pela manhã?
-O dia todo.
-Perdi...Pegou um pedaço?
-Sim.
-Sobrou?
-Sim mas já esfriou. Pela temperatura está quase no meio dia de hoje, nada é para sempre...
-E a felicidade?
-Comprei um saquinho no final do corredor, mas vieram poucas.
-As minhas estavam vencidas...E quanto a esperança?
-Os olhos da cara! Ainda tenho um frasco.
-Meu farmacêutico confiscou minha receita, disse que eu estava abusando...
-Posso descolar um pouco das minhas pílulas.
-Obrigado, mas não funcionaria com os anseios que eu plantei. A não ser que...Você me aluga seus sonhos?
-Os eróticos eu posso até dividir, mas os de vida só me restaram 17% dele.
-E o resto?
-Chegou a realidade.
-Que bom!
-Você não entendeu: Na realidade a realidade que se tornou não eram os 83% que eram sonhos, a realidade formada reduziu meu sonho a 17% sem realizar os 83%, entendeu?
-Se vendesse realidade ninguém comprava.
-É por isso que é de graça, mas vem num pacote que ludibria os consumidores.
-Vende surrealidade?
-Só no mercado negro.
-ATCHIM!
-Qual o problema?
-Gripe.
-Mas gripe tem cura.
-Quando se trata de doenças nada tem cura, tem remendos.
-Mas pra gripe tem.
-Não, gripe tem intermitências, é diferente.
-Se gripe fosse esperança...
-E se esperança fosse gripe?
ATENÇÃO ATENÇÃO SUPER PROMOÇÃO DE ALÍVIO NO FINAL DO CORREDOR 20
-E aí tá com ânimo?
-Merda! Sabia que tinha esquecido alguma coisa...