sábado, 26 de dezembro de 2015

Fiz vários planos de coisas pra fazer com a Helena; tomar a primeira chuva, levá-la a rodas de samba, até levá-la ao mercado pra desenhar peixes, encontrar o meio ideal de inserir sua pequena e delicada existência à engrenagem movediça e fervilhante das cidades, queria apresentar o mundo à ela, apresentar músicas do mundo todo, várias culturas, vários costumes, várias historias. "O mundo não é feito de átomos, é feito de histórias." E esses dias dirigindo pensei na anatomia da mulher e do homem, o homem nasceu com um falo, como uma seta, e saiu a desbravar o mundo, guiado pela sua seta, a mulher por sua vez nasceu com com uma reentrância, tudo aquilo que o homem sai buscando, todo o mistério do mundo e da vida se afunila para dentro da mulher, todo o segredo que o homem busca incansavelmente, a mulher vem absorvendo com sua anatomia por milhares de anos, naturalmente. Por isso tem um sentido à mais do que nós. Por isso faz mais sentido no mundo mulher, porque mulher vem sentindo melhor o mundo. Então qual era o propósito de eu apresentar o mundo pra minha filha? Um mundo que no fundo ela já conhece melhor do que eu? Ela me admiraria por consolo, pela intenção? Claro que eu estou falando sobre estereótipos psicologicos, hj em dia a mulher é muito mais desbravadora do que nós. Talvez sempre tenham sido. De qualquer forma, estava com a Helena no colo, e mostrava pra ela pequenos pedacinhos do mundo, texturas de plantas para os seus minusculos dedos. E então eu vi, na minha pretensão de apresentar um mundo que ela já conhece, o reflexo de uma nuvem se movendo em direção à suas pupilas recém estreiadas, deslizando sobre suas íris azuis, e foi assim, querendo apresentar a Terra, que ela, sem pretensão, me apresentou o céu.