terça-feira, 21 de maio de 2013

Vejo, sinto, percebo, sei e sou, de modo que tudo é real. 

Aliso o plástico e sinto sua superfície deslizante, o papel, as funções pré-estabelecidas das coisas úteis e inuteis, sinto e ouço as moedas que balançam nos meus bolsos enquanto ando sob o sol que me circula e acaricia enquanto despeja minha sombra. Vejo e analiso o vai e vem das coisas e dos homens e tudo é demasiadamente compacto e pulsante, tudo são cores e sons, de modo que tudo é demasiadamente real, a buzina dos carros, o som que há fora e dentro de mim, as vitrines e a loucura estática das coisas, o cigarro e a fumaça na mão do motorista que aguarda o semáforo abrir, e em tudo há culpa, beleza e angustia. Erguem as mãos aos céus em louvor a nicotina, o açúcar, o álcool, o alumínio e a soda caustica. O suor escorre das têmporas do homem que caça o pão e o esquecimento de cada dia. E sei, por que dizem, dos milagres do mundo. Uma menina nasceu na Índia com 4 braços e 4 pernas. Um B 52 sub-sônico americano rasga os céus e dirige-se ao Oriente Médio. Aumenta a produção e o consumo de fluoxetina no mundo. ONU sugere dieta de insetos contra a fome. Em Israel descobriram uma piramide submarina. Britânicos começam evacuação da Líbia. Ocorreram 3 explosões solares em menos de 24 horas. Há 549.577 presidiários no país.... E há sobretudo em toda parte um eterno sussurrar de ventos e grandes nuvens, que talvez sejam os nossos mortos. E como tudo é milagre: uma senhora de óculos de graus de grandes lentes, lenço na cabeça, e rugas que lembram imagens do Grand Canyon capturadas a 500 metros de altitude pelo google earth, cujo rosto talvez seja o trecho desconhecido de um mundo repleto de raças, de guerras, e de credos, de injustiças e tardias redenções, embrulha peixes com o jornal de anteontem, onde uma das matérias fala sobre um homem de 35 anos que abriu-se para a morte pelos pulsos cortados. Uma outra, sem camisa exibe os seios murchos pelo paletó velho e sujo entreaberto, enquanto vocifera contra quem passa no terminal metropolitano "filho da puta", grita, enquanto pombas indecisas sobre o próximo passo, num momento de súbita espontaneidade levantam voo de curta distancia e pousam, e retomam a decidir com dificuldade o próximo passo. Um homem executa suas perversões sexuais planejadas durante a semana no trabalho, num comodo escuro, mas tem receio de que algum parente já falecido o esteja assistindo. Uma outra chora por amor na escadaria de um edifício, por onde a senhora com os peixes sobe, inabalável, ante o olhar de espanto e condolências de 5 sardinhas mortas, repletas de sentimento. Num poste o bêbado se agarra como quem agarra a própria vida, uma quantidade real e alarmante de sua bile começa a petrificar em sua calça e ao pé do poste, e sua função é servir de consolo para quem passa. O mundo acaba a todo instante e volta a se recompor no segundo seguinte. 
Uma criança em algum outro canto corre, e nos seus olhos tímidos contém o universo num malabarismo cósmico e seu segredo eletrônico silencioso, e ela sorri para quem compreende. E nesse momento há sempre um receio de que Deus se distraia. As tantas rotações da Terra fizeram o sol desbotar um pouco o mundo, mas minha alma encharca e permeia tudo como se fosse invisível... 

Nossos passos continuam a girar o planeta em espiral infinito adentro, e a realidade não tem grandes lapsos nem permissões para que isso seja maior ou menor do que é. 
Os primeiros átomos, as moléculas de hidrogênio e éter, nuvens de gás e pó, as primeiras estrelas, o Big Bang que explode ainda, e que um dia irá se apagar, o tempo, o espaço, as culturas, a história, uma folha ou uma bomba que cai, cada qual com o seu propósito, e a mecânica elementar da vida (e tudo é a vida), é compacta e absurda como os olhos de 5 sardinhas mortas embrulhadas no jornal de anteontem.

Vemos, sentimos, percebemos, sabemos e somos, de modo que tudo é real.

Mas quando a noite nos lembra que a vida dorme e a morte acorda, no desgaste dos corpos há um desbotar de cores, um abafar de vozes, e o drama de toda uma vida se recolhe como uma quieta implosão, como uma música que vai chegando ao fim, 
anunciando o perdão da matéria e o fim inevitável de tudo, e nos resta apenas esse rufar de tambores ao longe que vai desaparecendo aos poucos, que é o meu coração ligado a todos os corações, como uma rede neural de 7 bilhões de conexões pulsantes no córtex cerebral de um Deus que lentamente fecha seus olhos...  
De tal modo que tudo é um sonho.

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