sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

Preto no branco



Tínhamos apetrechos de encaixe:
Encaixamos nossos ouvidos
Um no outro
E ouvimos gemidos íntimos
Que vinham de nossas caixas toráxicas.
Segredos
Na minha boca brotou a língua dela,
E na boca dela
minhas mais cachorras cacofonias
(ela inconformada ria
junto à um riso que eu também tinha)
Trançando nos traduzíamos
Sem nos ter seria "seríamos"
Ela sem mim não pronuncia verbo

E assim
Íamos seguindo
Até os confins do avesso
Até à imensurável distância
Que por fim separou eu e você de nós
Então
Nossas mãos já não se atinham:
Atiravam.
Nossos vãos se completaram
Em nãos
E hoje
Não me atenho mais a nós
Desatados



sábado, 23 de fevereiro de 2008

haja dito haja feito (bendito era, bem feito seja)

Para evitar surpresas já anuncio que morri

desaprendi rezas básicas: aves marias, pais nossos, plurais postos em minha boca roxa

basfemo a efemeridade molecular que arquiteta as possessões

e me calo para poder beijar Deus na boca (só para emputecer fanáticos)

a linguagem não mora mais em mim

há verbos enforcados por minhas cordas vocais

minha língua já não serve de trampolim pra palavras.

sábado, 16 de fevereiro de 2008

Palavra final

Minhas musas são musgos no meu milésimo treino poético

Antes era amor

Nada deve ser acorrentado ao som

nem ao signo

Amor pronuncia gesto, não palavras

Palavras são grades

Amor transborda aos vãos.


Palavra marca cavalo



Clemência



A única coisa que me diferencia da barata é o meu chinelo.

Atitulado


Contemplávamos o silêncio

E dávamos nome aos bois sem dizer palavra:

Satã era o nome dado ao dedo indicador, entre outras coisitas más.

Deus era o nome dado aquilo que era e aquilo que não era dedo.

Eu era alguém que não podia ser porque havia

Eu não podia haver porque via

Eu era não.

Às vias de ser sei lá o quê.

Revezava: existir, assistir, essistir, axistir

Nos fundíamos.

Palavra era papel de bala

Era bala perdida ou a pele que revestia a jabuticaba

Boca era instrumento de sexo e não tinha nome porque não.

Letras foram as palavras que a gente destroçou com os dedos.

E não havia cola na nossa desconstrução, selávamos com cuspe nosso destrato.

Nossos corações eram largos e ainda assim vazavam

Nexo não dava idéia, dava frase.

A gente se construía em camadas.

Nos desembrulhávamos e nos jantávamos.

Nos desjejunjávamos.

Na alma

Minha tristeza é calma e me enlaça quilômetros,
e o vento atravessa
minha copa que não conhece raízes.
Já não dou conta de medir a profundidade de minhas águas.
Na alma nada um peixe dourado que desprende os segundos
O balanço mergulhado no milagre geométrico
A plenitude que desconhece as palavras.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

desmedido

Hoje as coisas não têm chão nem altura

O universo se abriu átomo adentro e espaço afora.

Hoje as coisas não têm mais cheiro.

Adivinham-se outras impressões.

Camadas.

Cores em fuga.

Algumas ressonâncias.

Sombras grudadas nas paredes são de extrema gravidade.

Gosto de pensar que certas coisas guardam suas potências em um segredo no futuro.

Ou num indefinível infinito.

No íntimo.

Exemplos:

A luz é quando se trata do fogo com paixão aérea.

Segredo é a palavra reverenciando o silêncio.

Intenção foi um gesto que se perdeu de vista, e por aí vai.

Uma vontade arrasta elementos pra fora do caos buscando respostas.

Hoje, eu

arrasto a metáfora até os limites da sinestesia, só para apalpar as cores.

Formigando


As formigas são as guardiãs do inferno

Marcham até as alturas do sangue

Enquanto demonstram a força da união capaz de abafar gritos e murmúrios

Subitamente vem a rima me dizer que o diabo mora na intenção e não debaixo do chão.



Meu coração é um formigueiro.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Aprendi ou suponho que aprendi ou não

  • Que as perguntas surgem no ócio, as respostas no fazer e o nenhum dos dois na tv.
  • Que quando se trata de internet, quem vive a vida que navega, naufraga na vida que nega.
  • Que efemeridade da beleza faz com que uma borboleta viva 24 horas, uma tartaruga 100 anos.
  • Que os 99 anos, 11 meses e 29 dias que uma tartaruga tem a mais que uma borboleta, a torna mais bela que a borboleta. Ao perceber isso a tartaruga morre.
  • Que o tempo pesa sem ter peso e é justo com todos por ser injusto com todos ao mesmo tempo.
  • Que as propagandas de manteiga sem colesterol tomam muito tempo de vida.
  • Que que é preferível um "Ufa, foi um pesadelo" do que "Droga, foi um sonho".
  • Que a realidade deve ser dividida com 6 bilhões de pessoas, o que é surreal.
  • Que atenção e intenção separam acidentes de homicídios.
  • Que a revolução saiu das ruas e estão nas fórmulas de shampoo.
  • Que Deus escreve certo por linhas retas e a gente distorce as coisas.
  • Que homens e mulheres são diferentes apenas em um ponto: o crucial.
  • Que é tão difícil matar mato quanto plantar orquídeas.
  • Que relacionamento é igual hipermetropia, só se enxerga bem quando se está longe.
  • Que a cobra é venenosa porque engole muito sapo.
  • Que há duas maneiras de se tirar uma informação: uma é torturando, a outra não se importando.
  • Que pessoas duas-caras escolhe a melhor delas para sair às ruas.
  • Que as formigas não têm sindicato.
  • Que a panela que encontra sua tampa oculta seu conteúdo.
  • Que é melhor ter dois pássaros voando mesmo.
  • Que para cada ligação peptídica é liberado outro assunto que eu desconheço.
  • Que hoje a tarja preta da censura é bobagem e bunda.
  • Que o quê faz o diet engordar menos é a ausência do peso na consciência.
  • Que beleza não põe mesa, por isso tanta magreza na passarela.
  • Que quem entende a sociedade melhor do que um sociólogo é um sociopata.
  • Que o ditador Mao Tse-tung só não foi mais cruel por falta de bigode.
  • Que a lei de Murphy não se aplica com requeijão.

Doce impacto

E o sol proclamou cada vida uma raça única em expansão, uma equação que dançava sobre a matemática viva.

E a ciência deitou na margem de um Deus desconhecido que derramou das catedrais.

Além dos portões que não havíamos visto, reinventamos o fogo e descobrimos na água sua verdadeira natureza num pacto de silêncio profundo.

Tempo era o nome dado ao vai e vem das cores que transportávamos pelas estações e era medido em soluços que ecoavam de nossos metais para se desmanchar universo afora.

A sombra dos deuses era de concreto e alta e aproximava e afastava o céu. Guardava em si os mistérios que se desvendou em nós. E já não era uma ameaça. E nos esquecemos enfim, que éramos os demônios que havíamos criado no jardim do ego e que perseguíamos nossas próprias caudas.

Nossas vontades, agora puras, vasculhavam a intimidade das coisas por dentro e nosso trabalho era uma mistura de dança com algo que se desprendia no consentimento de nossos olhares.

Demos outras funções às nossas mãos. Funções abertas. Tocávamos e levávamos algo que não saía e as impressões cresciam e acumulavam-se por baixo de nossas peles.

Ofegante e sempre, misturando-nos.

inserto incerto

Gosto de ambigüidades do tipo: Hitler foi à Praga.

Efeitos que só funcionam no âmbito oral.

Como os beijos.