domingo, 19 de abril de 2015

Vida

Olhando as pessoas na padaria eu lembrei que vi em algum lugar que existe uma legião de almas ansiosas por nascer na terra e ter uma experiência de vida.

Pra pilotar corpos de carne e osso, cheios de experiências.
Passar pelo trauma de nascer, assaduras, medo de alienigenas, fantasmas, de mostrar o boletim pros pais, ter uma unha encravada, a cueca ou a calcinha entrando na bunda, operar fimose, a primeira menstruação, ouvir as conversas das senhoras sobre cancer nos transportes públicos, o medo do cancer, o primeiro amor, o medo da morte, contas a pagar, carne entre os dentes, administrar todos os pelos do corpo e assistir a morte dos outros chegando pela borda como um aviso de cautela...

Na padaria, além dos outros eu via as minhas mãos e a ponta do meu nariz. Antes do espelho a consciencia do "eu" devia se dar pelas mãos e pela pontinha do nariz que os olhos casualmente enxergam.
Toda uma consciência humana na pontinha do nariz.
É muita responsabilidade para um nariz carregar a condição humana nas costas.
Muita responsabilidade.

Talvez por isso inventamos o espelho, embora o espelho seja uma armadilha. Ele não mostra o que somos, ele mostra o oposto do que somos. A palavra AMOR por exemplo vira ROMA, um dos impérios mais violentos que o mundo já teve, e que por ventura veio a assassinar Cristo, o amor na terra. O espelho mostra um corpo de carne e osso que nunca age naturalmente em sua frente, não mostra uma alma que já foi ansiosa para nascer.
O mundo virou do avesso desde quando inventaram o espelho.

Na padaria tinha mais espaço vazio do que gente.

Cabia mais gente no mundo.

Mais gente com muito medo.

Saber que todo mundo sente medo enche a gente de coragem.

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